Fim do Dia

Foi difícil vencer a batalha com a preguiça, ganhar da inércia. Finalmente, conseguiu sair do aconchego das colchas quentinhas e pusera-se a andar. Sem rumo pela trilha fácil, na passarela de serpente, passo a passo, entre um balanço e outro, revelando suas curvas, rompendo obstáculos. Segue arrastando a melancolia.

Aos poucos, sem pedir licença, estava ela, liberta ao sons das árvores, na pequena vila, empurrada pelo vento que, sacudindo tudo, traz cheiro bom, exibe o verde, expõe a sombra.

Uma alegria incontrolável brota do ar. A transpiração lavando a pele pálida, fazendo arrepiar os cabelos. Os músculos aprisionados, tentam sair, gerar movimento. A música viajando de longe, chegando doce, sacodindo a alma.

A areia fina pousa nos pés tentando tira-los do chão. Como pequenas borboletas, emprestam suas asas fazendo voar a emoção. Onde estavam todas essas cores? Sentia no seu interior, antes escuro e adormecido, a magia da luz.

Andava com a leveza de quem sabe flutuar. Estava viva! A pele, elástica e macia, sem marcas, sem mágoas, sem medo. Confiante e forte, podia ir aonde quiser. Não sentia frio, nem calor. Parada estava no tempo e no espaço da vida. Despercebida do mundo, transportada para um universo à parte – em transe. Grata por mais um dia!

Aos poucos, de forma rasteira, cúmplice no silêncio, a presença de um Deus. Revelado por entre nuvens, define o horizonte e apresenta-se com olhar penetrante. Como que esperando pra ser notado, fica assim: cara a cara, despido no fim do mundo. Uma onda vem e outra vai. Sorrisos tímidos, lagrimas singulares. As almas limpas, aplausos incontidos.

Ela pensou mas não disse: te espero todos os dias. Sua luz me alimenta. Estou aqui por você e por mim. Parou o pensamento, voltou a mudez absoluta. Sem pressa de pensar ou falar - com medo de quebrar a magia, cultivando a atração. 

Na intimidade que só parceiros de vida podiam ter, na praia quase vazia, exuberante, ele se faz onipotente. Dono de toda a graça, gigante, recolhendo sua luz, deixa baixar a cortina aqui pra aquecer o mundo de lá.

Ela sozinha, mas completa, diante de um dos mais inteiros pôr-do-sol que já vira. Feliz da vida, cheia de energia e alegria para compartilhar, rende-se ao momento, ao poder do da luz do fim do dia.

Num ato derradeiro, ele, usando da sedução no seu limite máximo, faz saída espetacular, pintando tudo de vermelho. Os aplausos cedem espaço para a melancolia na tarde fria de outono...Pouco a pouco a noite toma seu lugar e seres estranhos, a praia, vem povoar. 


“As pessoas não se precisam, elas se completam...não por serem metades, mas por serem inteiras, dispostas a dividir objetivos comuns, alegrias e vida.” Mario Quintana.